terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sistema de franquia empresarial e o CC

Da Gazeta Mercantil

Caderno Legal e Jurisprudência – Quarta-feira, 07 de abril de 2003

clip_image001 Legal & Jurisprudência

7 de Abril de 2003 - Após longo período de discussões, que somaram mais de 25 anos de tramitação no Congresso Nacional, o novo Código Civil revogou o "velho", a Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, e entrou em vigor no dia 11 de janeiro deste ano. O novo regulamento trouxe inovações para todos os níveis da vida civil no Brasil, desde a redução da idade em que se observa a maioridade civil, e portanto a capacidade para contratar, até a morte de uma pessoa e suas respectivas implicações, como por exemplo a sucessão.

Primeiramente, é necessário considerar que a operação e manutenção do sistema de franchising são atividades envoltas em grande complexidade, assim como o contrato de franquia, classificado como complexo, pelos mais renomados juristas pátrios. Desta forma, existe a incidência de diversos institutos regulados pela legislação civil, recentemente alterada, que inclui uma parte especial dedicada ao direito da empresa. Não necessariamente apenas para o franqueador ou franqueado, e sim para o sistema de franquia inteiro, o advento do novo Código Civil trouxe mudanças significativas, que devem ser estudadas, para uma melhor adaptação do negócio ao sistema legal.

Primeiramente, são princípios que devem nortear a interpretação dos negócios jurídicos e contratos, assim como sua criação, desenvolvimento, aplicação e execução, a boa-fé e a probidade dos participantes. Tratam-se de, portanto, de princípios legais que regem a relação jurídica em toda a sua extensão, bem como a responsabilidade pré e pós-contratual das partes.

O conceito de boa-fé fixado é amplo e aberto, ou seja, não existe uma tipificação ou um detalhamento do mesmo, deixando assim aos operadores de direito a análise isolada nos casos concretos. Jairo Saddi, em artigo publicado em 27 de dezembro de 2002, esclarece: "Como a lei não pode alcançar todas as atividades individuais, optou-se por uma regra genérica, capaz de abarcar todas as etapas do contrato: formação, execução e extinção. Daí o enquadramento da manifestação da vontade dentro de regras amplas. Ao conferir à operação econômica a forma, o juiz estará retornando ao sinalagma genético, ou o que constitui o ponto inicial da relação jurídica."

O novo Código introduziu no ordenamento jurídico o conceito social do acordo de vontades, estabelecendo que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Esta limitação decorre do protecionismo do Estado, evolução de caráter mundial, aonde os interesses individuais são postos em segundo plano em detrimento do interesse coletivo e universal. O direito positivo pátrio altera o foco de sua proteção, que antes se limitava ao universo criado pelo contrato e o interesse individual das partes envolvidas, passando a um sistema jurídico mais paternalista, protegendo interesses amplos e coletivos. Assim, a autonomia de contratar e vontade das partes estão limitadas aos valores sociais e interesses coletivos tutelados pelo Estado.

Os negócios jurídicos possuem regulamentação, reclamada pela doutrina pátria, que inclui disposições acerca de seus denominados "defeitos" (no código revogado, a matéria era tratada na parte reservada aos atos jurídicos). Foram inseridas duas novas modalidades, somadas às categorias já existentes (erro, dolo, coação e fraude contra credores), qual sejam, o estado de perigo e a lesão, dada a onerosidade excessiva da obrigação assumida ou do valor da prestação. Cumpre indicar que a simulação, que era classificada como defeito do negócio jurídico, no novo ordenamento jurídico (o negócio simulado) é considerado negócio nulo, enquanto que no antigo diploma legal poderia ser anulado. Esta mudança possui sérias conseqüências jurídicas, tendo em vista que o ato nulo deixa de existir, extinguindo todos os seus efeitos jurídicos, levando as partes ao momento anterior ao da realização do mesmo.

O novo Código Civil veio coroar e ampliar a proteção ao consumidor e às partes mais fracas de um negócio jurídico. Desde 1990, o ordenamento jurídico pátrio já indicava esta tendência através do Código de Defesa do Consumidor, que resguarda direitos e protege o pólo mais frágil da relação de consumo. Com relação à empresas participantes do Sistema de Franquia Empresarial, podem existir grandes alterações ou simplesmente adaptações, dependendo diretamente da abrangência e particularidades do negócio envolvido.

A primeira observação refere-se ao prazo fixado para adaptações das sociedades ao novo direito de empresa, que é de um ano, a partir da entrada em vigor do novo texto legal, ou seja, a partir de 11 de janeiro de 2003. Neste ponto, devem ser analisados os pontos principais voltados, principalmente, às Sociedades Limitadas (antigas sociedades por quotas de responsabilidade limitada), figura jurídica largamente utilizada no sistema de franquias empresariais no Brasil.

No tocante à sociedade entre cônjuges, o novo Código Civil facultou aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. Desta forma, a sociedade existente entre o casal deverá adaptar-se, até o prazo mencionado no parágrafo anterior, caso siga alguns dos regimes mencionados. Uma das opções, permitida pelo novo ordenamento jurídico, é a alteração judicial do regime de casamento.

Outro importante tópico é a responsabilidade dos sócios. Quando se tratar de Sociedades Limitadas, cuja aplicação de normas omissas é regida pelas disposições das Sociedades Simples, se não disposto expressamente o contrário no contrato social, os novos sócios, que ingressarem na sociedade após a sua constituição, tornar-se-ão responsáveis pelos direitos e obrigações anteriores ao seu ingresso, inclusive dívidas sociais. Caso a sociedade seja executada, os bens particulares não respondem pelas dívidas sociais, senão depois de executados os bens da empresa, e caso estes sejam insuficientes. São solidariamente responsáveis, os administradores que realizarem distribuição de lucros ilícitos, inexistentes ou simulados, vinculando tal responsabilidade aos sócios que se beneficiarem.Na hipótese da Sociedade Limitada, no ato de sua constituição (para as novas), ou dentro do prazo de adaptação já mencionado (para as antigas), estabelecer aplicação supletiva das Sociedades Anônimas, as implicações mencionadas neste parágrafo não deverão afetar sociedade. Necessário ressaltar que existem entendimentos diversos quanto à aplicabilidade de normas e disposições do novo Código Civil, sendo o livro de Direito da Empresa objeto de sensíveis alterações nos projetos de lei que tramitam atualmente no Poder Legislativo, principalmente o de autoria do deputado Ricardo Fiúza. Contudo, além dessas possíveis mudanças, o tempo e nossos tribunais deverão tratar de elucidar a matéria.

Um ponto que tem causado grandes debates e críticas, refere-se às deliberações sociais, que devem, agora, ser tomadas pelos sócios em reunião ou assembléia. Estas deliberações referem-se, primeiramente, às matérias indicadas no próprio Código Civil, mas também podem compreender assuntos de interesse e que criem direitos ou obrigações à sociedade. Quando a sociedade possui menos de dez sócios, pouca implicação direta esta estipulação traz, pois é facultativa. Contudo, caso a empresa tenha mais de dez sócios, as deliberações deverão obrigatoriamente ser tomadas em assembléia. Resta a opção aos sócios de decidirem, por escrito, os assuntos que seriam tratados na reunião ou assembléia, dispensando a sua realização. Qualquer que seja a forma, deverá ser lavrada ata das reuniões e assembléias, devendo uma cópia ser arquivada no registro público.

O legislador trouxe para as sociedades limitadas um instituto semelhante à Assembléia Geral Ordinária, das Sociedades Anônimas. Refiro-me a obrigação da sociedade realizar, se for aplicável ao caso, uma assembléia geral anual, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, cujos objetivos principais são: a) tomar as contas dos administradores, deliberando acerca do balanço e resultado econômico; b) designar, quando aplicável ao caso, administradores; c) deliberar a respeito de outros assuntos fixados na ordem do dia.

Por fim, as situações que podem causar desconforto ou transtornos às partes contratantes são aquelas relativas ao direito de sucessão, principalmente no que se refere aos herdeiros. As partes devem, antes de iniciar suas primeiras tratativas, seguir os princípios aqui mencionados de probidade e boa-fé, bem como proceder a uma mútua análise e previa avaliação, devendo esta última ser minuciosa no que diz ao conjunto de documentos e contratos envolvidos. Considerando as estruturas jurídicas utilizadas, a maioria das empresas atualmente já se encontra devidamente protegidas em casos de sucessão decorrente de falecimento, tanto do franqueado quanto do franqueador, pois seus respectivos contratos sociais já prevêem (supostamente deveriam) as formas e obrigações das partes em caso de morte, incapacidade ou falência.

Estas são as principais e gerais mudanças introduzidas pelo novo Código Civil, que possuem implicação direta no sistema de franchising. Cabe ressaltar que toda relação possui determinado grau de especificidade e inúmeras particularidades, que devem ser analisadas caso a caso, assim como os tópicos aqui abordados necessitam de um estudo aprofundado.

(Gazeta Mercantil/Página 1) (Luís Rodolfo Cruz e Cruz - Advogado em São Paulo – lrcreuz@terra.com.br)