Thais Mayumi Kurita
Grande parte dos sistemas de franquia no Brasil possui uma característica que pode ser considerada muito comum e marcante: a presença de familiares nos principais cargos executivos da empresa franqueadora, capitaneada pelo carisma imbatível de seu idealizador.
Longe de ser considerado um tipo negativo de favorecimento, é até natural que seja assim, já que na maioria das vezes foram essas mesmas pessoas que prestaram o apoio – emocional e financeiro – necessário e no momento certo.
A presença de familiares se mistura com aspectos importantes tais como: laços de confiança e contenção de despesas (com salários). Nesta situação entram esposa (o), filhos, pais, irmãos, entre outros parentes. A justificativa é nobre e dificilmente algum franqueador de sucesso, se pudesse voltar no tempo, faria diferente.
O fato é que esse formato nem sempre dá muito certo, ou pode ser considerado perene. E as razões são as mais diversas: filhos crescem e descobrem que seu talento não é bem aquele, casais se divorciam, ou, na pior das hipóteses, alguns deles acabam “ficando para trás”, prejudicando a corporação de uma forma ou outra.
E todas essas características acabam sendo reforçadas pela personificação da empresa franqueadora na figura de um único ente, o “dono da idéia” – uma pessoa física, sujeita a todos os destemperos naturais do ser humano, mas que fenomenalmente tem grande parte de suas deficiências apaziguadas justamente por ter se tornado um ícone na vida dos franqueados. Isto funciona por determinado prazo.
Mas o mercado é implacável e não tolera erros decorrentes de uma dose, ainda que pequena, de amadorismo. E mais que isso: carisma não é algo que se herda; portanto, preparar a empresa para a ausência do seu idealizador é mais que necessário.
As franquias cujo formato de gestão seja familiar podem estar vivendo os seguintes cenários neste exato momento: o franqueador-idealizador e pessoa física está cansado ou assoberbado de seus afazeres e com filhos ainda incapazes de assumir o negócio; ou está velho e sem sucessores à altura para “tocar o negócio” (aqui os problemas familiares podem suplantar os interesses da empresa).
Eis, então, a necessidade de preparar a rede para algumas possíveis situações como a venda para outra empresa ou a profissionalização nos formatos de gestão. Nas duas hipóteses, se faz necessário um ambiente favorável para se obter êxito; caberá ao franqueador a decisão por rumar neste sentido, lançando mão de algumas importantes e disponíveis ferramentas para alcançar seu objetivo.
Profissionalizar a empresa não significa simplesmente contratar profissionais de mercado para importantes cargos. Profissionalização significa deter absoluto controle de todas as fases pelas quais passa um processo produtivo e/ou decisório. Através desse controle é possível medir o crescimento da empresa e planejar o futuro. Torna-se da cultura da empresa profissionalizada a observação do mercado no qual está inserida e de seus agentes indiretos, aumentando assim a sua competitividade e longevidade.
Mas, como tudo o que promete grandes feitos e resultados, profissionalizar a empresa requer muito cuidado e prévio entendimento do seu significado. É, como dissemos, uma nova cultura que chega, e velhos costumes e vícios devem ser abandonados. Nem sempre dividir e ser transparente é tão simples quanto parece.
A família é, no caso da profissionalização de empresa familiar, o maior entrave e ao mesmo tempo a sua única aliada. Há uma enorme carga de emoção, que nada tem a ver com a produção ou a técnica, razão pela qual é altamente recomendável que esse processo seja conduzido por alguém imparcial. Assim, espera-se poupar as pessoas envolvidas, mantendo o caminho livre de interferências irracionais.
A criação de um Conselho de Administração para estas empresas, ainda que pequenas ou médias, é uma boa alternativa para manter a família no comando. Este mecanismo é importado de grandes empresas, sobretudo as S/As, e junto com ela vêm as normas de conduta, o compromisso pelas decisões tomadas, a transparência e a formalidade, pois igualmente recomendável é que as decisões passem a ser tomadas por escrito.
Outro exemplo é a reorganização dos cargos e funções de cada área, que pode culminar na criação de departamentos técnicos, passando, evidentemente, a um ajuste de salários coerente com aqueles praticados pelo mercado, seguido de uma política de bonificação por resultados obtidos ao final do exercício.
Junto com tudo isso deve haver o planejamento pessoal de cada parte envolvida, seja através da criação de empresas patrimoniais, seja através da elaboração de testamentos, prática pouco utilizada por pequenos e médios empresários.
Fundamentalmente, o que deve ser dito é que esses empresários são seres humanos, falíveis e sujeitos a riscos diários. Se para eles o que importa é a família (e esta é a razão pela qual todos trabalham juntos), seria simplesmente ilógico passar ao largo desta questão sem cuidar do futuro das próximas gerações.
Thais Mayumi Kurita é advogada especializada em franquias do Cerveira, Dornellas e Advogados Associados.